Como piraiense, desde cedo comecei a me encantar com o mundo e suas vastidões, através dos livros que encontrava na pequena biblioteca da minha cidade natal, o que me fez um bibliófilo e uma pessoa apaixonada pela riqueza humana em todas facetas, graças ao poder radiador de um livro.
Após me aposentar do Instituto Brasileiro do Patrimônio Histórico e Artístico vim residir na cidade de Saint-Herblain, cidade com seus 46 mil habitantes, a qual fez parte da grande Nantes, sexta maior cidade da França (650.000 habitantes) e situada na porção noroeste do país.
Sempre tive uma paixão muito grande pela França e diria mesmo que este meu interesse pelo país se deve muito ao dinamismo do setor cultural da pátria dos Direitos do Homem e que o Estado Francês investe muitíssimo nas práticas culturais, aqui vistas como um conjunto de fenômenos materiais e ideológicos que caracterizam uma sociedade. Exercer e usufruir da nossa cultura é construir-se como sujeito e como ser crítico do nosso tempo histórico e social. A cultura é o que nos distingue dos outros animais: nossa humanidade passa necessariamente pelas nossas práticas culturais e é justamente pela cultura que lapidamos nossa humanidade, nos fazendo seres mais conscientes e realizados.
O escritor Umberto Eco possuía uma biblioteca que continha trinta mil livros e ela separava seus visitantes em duas categorias. Na sua maioria, as pessoas lhe perguntavam quantos livros ele leu do seu acervo e uma parcela mínima compreendia que uma biblioteca privada não é um apêndice amplificador do ego, mas uma ferramenta de pesquisa. Ele dizia: “Livros lidos são muito menos valiosos do que os não lidos. Uma biblioteca deveria conter tanto daquilo que você não conhece quanto as suas finanças permitissem. Você vai acumular mais conhecimentos e mais livros conforme envelhecer e a crescente quantidade de livros não lidos nas estantes lhe observará desafiadoramente. Na verdade, quanto mais você conhece, maior é a fila de livros não lidos. Podemos chamar essa coleção de livros não lidos de antibiblioteca". Isto para dizer que um livro “mudo” nas estantes tem o poder sedutor de estabelecer os mais diferentes diálogos e que cabem aos mediadores das bibliotecas criar mecanismos e estratégias que os façam “falar” e assim levar seus frequentadores a quererem estabelecer uma relação de intimidade com o mundo que se encerra nas suas páginas.
Como expressado anteriormente, devo muito à biblioteca da minha cidade por ter me proporcionado esta sensibilização aos grandes temas da Vida e por ter me aguçado a querer percorrer os caminhos, com suas retas e curvas, deste grande mundo.
Munido de livros pude me orientar, pois seus conteúdos funcionavam como uma bússola que me ajudava a percorrer as muitas trilhas, algumas sinuosas e mesmo escorregadias, que se apresentavam a mim, um jovem de uma cidade do interior do Estado do Rio, curioso e intrépido, a querer varar novas paragens e suas culturas.
Passados todos estes anos, ainda me lembro com carinho do meu percurso que se iniciou na minha cidade natal, e agora como prova de gratidão à terra que acolheu meus saudosos pais e onde respirei pela primeira vez, volto a minha querida Piraí, pela figura do amigo Gebran, atual Secretário de Cultura do município, que com seu dinamismo e criatividade sabe que Livros e bibliotecas modernas e funcionais podem em muito transformar vidas e sempre para melhor!
O Secretário Gebran me havia dito que um dos projetos estruturalizadores da sua gestão contemplaria necessariamente a revitalização das bibliotecas públicas do município e que o referido projeto já se encontrava em curso de desenvolvimento. Sabendo deste seu projeto, entrei em contato com o Gebran para lhe perguntar se poderia dar meu depoimento sobre as mediatecas que usufruo aqui nestas paragens em latitudes nortes, pois vejo que estas mediatecas foi uma das formas que os gestores de cultura daqui encontraram para fazer face a este mundo cibernético que com suas telas e “bytes” afastam parte de seus usuários das estantes das bibliotecas tradicionais.
Na segunda parte deste meu pequeno texto, vou apresentar uma mediateca da cidade onde moro aqui na França. A ideia é mostrar a estratégia que os mediadores culturais daqui criaram para despertarem o desejo dos antigos usuários das bibliotecas, agora atraídos pelas novas tecnologias informacionais, como internet, redes sociais etc, a voltarem a estas bibliotecas expandidas e multimídias, agora nomeadas de mediatecas. Além de espaços de educação e cultura, estes novos equipamentos culturais se apresentam também como espaços de lazer e de sensibilização a temas de utilidade pública, bem como espaços de convergência social para todas as pessoas da cidade. Um espaço onde as pessoas passam para ler as últimas manchetes dos jornais antes de irem trabalhar, ou mesmo onde Dona Paula vai pegar uma receita pela internet, ou talvez onde o Seu Antonio passa para consultar um livro técnico que possa ajudá-lo na reforma da sua casa. Toda estratégia é válida para levar seus usuários a se informarem, se educarem, se deleitarem e sobretudo a criarem novos laços sociais com sua cidade e seus moradores.
Bem-vindos à nova “sala de estar” do Município!
Por Lucio Wagner Lima Valente
Saint-Herblain, França, verão de 2021.